Você já recebeu uma multa em duplicidade, ou seja, foi autuado duas vezes pela mesma infração?
Se isso aconteceu, sabe como é o processo para entrar com recurso diante desse tipo de autuação?
Para responder a essas e a outras questões, elaborei este artigo.
Aqui, você ficará sabendo como recorrer de multas de trânsito nos casos de duplicidade, além dos demais fatores importantes sobre este tema, como tipos de infração e penalidades aplicadas.
Tenha uma boa leitura!
Tipos de Infrações e Suas Penalidades
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), as infrações de trânsito são divididas em quatro naturezas: leves, médias, graves e gravíssimas.
Dessa forma, a pena irá variar de acordo com a infração recebida: quanto maior o grau de periculosidade que ela apresentar, mais severas serão as penalidades aplicadas.
Como você deve saber, quando um sujeito comete uma infração e é autuado por isso, uma das consequências, além do valor a ser pago, é a adição de pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Esses pontos também variam para cada natureza de infração, conforme o art. 259 do CTB.
Infrações de natureza leve: três pontos.
Infrações de natureza média: quatro pontos.
Infrações de natureza grave: cinco pontos.
Infrações de natureza gravíssima: sete pontos.
É preciso ter muito cuidado em relação aos pontos adicionados à CNH. Quando a somatória chegar a 20, em um período de doze meses, a carteira de motorista pode ser suspensa.
Uma vez suspensa, o condutor deverá realizar um curso de reciclagem, no Centro de Formação de Condutores (CFC), conforme estabelece o anexo II da Resolução 572/2015 do CONTRAN.
Outra variável, em relação às penalidades para cada natureza de infração, é o valor a ser pago pela multa recebida.
Nesse caso, as infrações de natureza leve, média, grave e gravíssima apresentam valores distintos, em conformidade com o art. 258 do CTB, que são:
Leve – R$ 88,38
Média – R$ 130,16
Grave – R$ 195,23
Gravíssima – R$ 293,47
Assim como é preciso estar atento à somatória de pontos na CNH, para que não atinja os 20 pontos no período de um ano, os valores a serem pagos pelas multas também precisam de atenção devido ao fator multiplicador.
O fator multiplicador será aplicado somente em algumas infrações de natureza gravíssima.
Portanto, é preciso ter cuidado, pois o desembolso estipulado para esse tipo de infração (R$ 293,47) pode ser multiplicado por até 10 vezes ou mais, a depender da gravidade da violação.
É o exemplo da penalidade aplicada a quem dirige sob influência alcoólica, como estipula o art. 165 do CTB.
Nesse caso, se for pego em uma blitz da Lei Seca (Lei nº 11. 705), o condutor sofrerá uma infração de natureza gravíssima, cuja penalidade resulta em multa multiplicada 10 vezes. Assim, o valor a ser pago será de R$ 2934,70.
Portanto, é sempre importante estar atento às normas do CTB e trefegar dentro da Lei, pois, do contrário, as infrações poderão ser aplicadas.
Quem Pode Aplicar as Multas de Trânsito?
Anteriormente, expliquei como são divididas as infrações de trânsito, bem como os consequentes valores e pontos adicionados à CNH, conforme cada natureza da autuação.
Porém, você sabe quem pode aplicar essas multas?
Quanto a isso, o CTB estipula, do art. 20 ao 25, as responsabilidades de cada órgão de trânsito.
Para a aplicação das multas de trânsito, então, tem-se que: nas rodovias e estradas federais (BR’S), compete à Polícia Rodoviária Federal aplicar e arrecadar as multas impostas; já a Polícia Rodoviária Estadual é responsável pelas multas nas estradas estaduais (SP’S, RS’S); e, por fim, os agentes da Polícia Militar também podem aplicar multas, mas apenas quando houver convênio.
Nesse caso, um exemplo bem comum de convênio é a atuação nas Blitze da Lei Seca, em que agentes municipais de trânsito atuam em conjunto com os policiais militares.
Já dentro dos municípios, a aplicação das multas ocorre de forma diferente.
Isso porque cada cidade poderá indicar qual será o órgão responsável pelas questões de trânsito, incluindo a aplicação de multas.
Nesse caso, é possível que a administração de determinado município opte pela criação de uma Empresa Pública, com a incumbência de fiscalizar e realizar autuações no trânsito da cidade.
Como exemplos desses modelos de empresas, podemos citar a CET (Companhia de Engenharia e Tráfego), na capital de São Paulo, e a EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação), na capital do Rio Grande do Sul.
Além disso, é importante lembrar que a Guarda Municipal também pode ser responsável por aplicar multas, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Aplicação de Multas
Hoje, principalmente em cidades grandes, a quantidade de agentes de trânsito circulando pelas ruas e avenidas é consideravelmente expressiva – sem contar, é claro, os marcadores eletrônicos, como os radares, responsáveis por também registrar infrações por excesso de velocidade – conforme prevê o parágrafo 2º do art. 280:
“§ 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.”
No entanto, um dos problemas que podem acometer muitos condutores é que, não raro, eles podem ser surpreendidos duas vezes com a mesma notificação de infração. Esse fenômeno, na área jurídica, recebe o nome de Bis in idem.
O Bis in idem ocorre quando há a repetição (bis) de uma sanção sobre mesmo fato (in idem). Assim, no campo das infrações de trânsito, esse fenômeno ocorrerá, por exemplo, quando há duplicidade na aplicação de uma infração.
Para entender melhor como esse fato pode ocorrer, vou reportar, a seguir, um exemplo de aplicação do Bis in idem.
Bis in idem (ou mula em duplicidade) – exemplo desse princípio aplicado ao trânsito
Uma das infrações mais cometidas pela grande maioria dos motoristas está relacionada ao excesso de velocidade.
Ao ultrapassar a velocidade máxima estipulada por determinada via e ser flagrado por um agente ou radar, o condutor possivelmente receberá uma notificação referente à infração cometida.
No entanto, suponhamos que determinado condutor, que tenha sido autuado trafegando em velocidade superior à máxima permitida em mais de 20% e até 50%, conforme estipula o inciso II do art. 218 do CTB, tenha recebido duas notificações acerca da ocorrência da infração que, na realidade, ocorreram no mesmo dia e horário.
Nesse caso, como o condutor deve proceder?
Primeiramente, lembre que sempre será possível recorrer de qualquer infração de trânsito cometida.
No caso de multa em duplicidade, essa possibilidade é ainda mais passível de se reverter. Sabe por quê?
Ao receber duas notificações de infrações por excesso de velocidade, cometidas no mesmo dia e horário, o condutor precisa ter em mente que somente uma das infrações pode ser considerada.
Isso porque o referido auto trata de infração permanente, isto é, que tem seu cometimento prolongado no tempo, cessando apenas quando cessado o seu fato gerador. Ou seja, o indivíduo que comete a infração é que tem domínio sobre o momento de conclusão da infração.
Assim, torna-se inconcebível aceitar essa duplicidade, pois, do contrário, o indivíduo seria punido a cada minuto que transitasse acima da velocidade permitida – situação absurda, visto que geraria incontáveis autos de infração.
Além disso, a aplicação de dupla penalidade é um ato contrário à Constituição Federal, por ferir o princípio do “non bis in idem” (proibição à dupla punição), aplicável também aos processos administrativos.
Perceba, então, que o non bis in idem assegura que ninguém pode ser punido mais de uma vez por uma mesma infração penal com mesmo fator gerador.
Dessa forma, o cancelamento da infração, reportada neste exemplo, torna-se uma medida totalmente viável e passível de ser consumada, especialmente em face do que estipula o artigo 281 do CTB, que estabelece o seguinte:
“Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:
I – se considerado inconsistente ou irregular;”
Recorrendo de Multas em Duplicidade
Como já mencionei, é direito de todo condutor recorrer de qualquer tipo de notificação de infração de trânsito.
Dessa maneira, as formas de se recorrer de multas em duplicidade não são diferentes dos demais tipos de infrações recebidas: as fases de recurso serão as mesmas que as das demais autuações.
Para reverter a situação, então, existem três tentativas que podem ser usadas: a Defesa Prévia, o Recurso à JARI e o Recurso ao CETRAN.
Na sequência, explicarei o passo a passo para cada uma dessas fases, levando em consideração o mesmo exemplo de notificação de infração de trânsito utilizada neste artigo: multa por velocidade acima do permitido.
Defesa prévia
Nesta etapa, a defesa será baseada nos possíveis erros que possam conter na notificação da infração recebida.
Para tanto, é preciso estar atento aos dados expostos na notificação, observando se são condizentes com o fato autuado, principalmente em relação à identificação do veículo e ao local em que a infração foi cometida.
Por isso, é importante levar em consideração todas as especificações previstas no art. 280 do CTB, a fim de garantir que nada esteja faltando na notificação.
“Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:
I – tipificação da infração;
II – local, data e hora do cometimento da infração;
III – caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação;
IV – o prontuário do condutor, sempre que possível;
V – identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprovar a infração;
VI – assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração.”.
Caso algum desses dados elencados não esteja presente na notificação, ou a informação seja incorreta, é possível garantir alguma chance de defesa ainda na primeira etapa.
Por exemplo, se a autuação do veículo for feita por sistema automático (como radar), em que é realizada por registro fotográfico, é preciso que a imagem esteja visível o suficiente para distinguir, sem gerar dúvidas, a placa do veículo.
Para dar entrada à defesa, o motorista autuado tem um prazo de, no mínimo, 15 dias para realizar sua defesa, a qual pode ser elaborada por ele próprio ou, preferencialmente, por especialistas na área (a fim de se garantir melhores argumentos e, portanto, maiores chances de deferimento).
No entanto, se não obtiver sucesso nessa etapa, o condutor pode recorrer à JARI (Junta Administrativa de Recursos de Infrações).
Recurso à JARI
A fase de recurso à JARI (a primeira instância administrativa) costuma ser a que mais sucesso obtém.
Isso porque, nesta etapa, é possível lançar mão de toda argumentação de defesa, demonstrando e comprovando o porquê da insatisfação com a notificação recebida.
A JARI é um órgão colegiado composto por três integrantes:
- um indivíduo com, pelo menos, nível médio de escolaridade e conhecimento na área de trânsito;
- um representante do órgão que impõe a penalidade;
- um representante de entidade representativa da sociedade referente à área de trânsito.
Os documentos necessários para o recurso em primeira instância, além do pedido de recurso (contendo argumentos e alegações do requerente), são a cópia da NP (Notificação de Penalidade de Multa), a cópia de algum documento que comprove a assinatura do requerente (como CNH ou RG), cópia do CRLV e, se for exigido, procuração.
Pensando de forma prática sobre o recurso enviado à JARI, podemos voltar ao exemplo utilizado neste artigo, o qual trata de multa por excesso de velocidade.
Nesse caso, suponhamos que o órgão autuador aplicador da multa tenha sido o DNIT, e o veículo tenha sido autuado em uma rodovia federal.
Os argumentos de defesa, então, já podem partir dessa constatação. Sabe por quê?
O DNIT é uma instituição de âmbito nacional, que possui caráter auxiliar no controle e manutenção do trânsito nas rodovias, de modo que sua competência é restrita a esses fins, conforme discorrem os incisos VIII e XIII do art. 21 do CTB.
Assim, cabe ao DNIT a fiscalização do excesso de peso e lotação dos veículos, da emissão de poluentes e ruídos e do tráfego de veículos que necessitam de autorização especial.
Por isso, é possível argumentar, como defesa, que a aplicação da multa se torna indevida pelo fato de não ser competência do Órgão mencionado o controle e a fiscalização de velocidade nas vias.
Cabe, ainda, ressaltar que esse tipo de autuação, em rodovia federal, é, consequentemente, de caráter exclusivo da Polícia Rodoviária Federal – PRF.
Perceba que, com os argumentos acima elucidados, já seria possível desenvolver uma defesa consistente para esse tipo de autuação.
Por isso, é muito importante contar com a ajuda de profissionais gabaritados na área para que o recurso desenvolvido conte com sacadas que, muitas vezes, um leigo não é capaz de identificar e utilizar.
Caso você esteja precisando de ajuda, nesse sentido, a equipe Doutor Multas e eu podemos ajudar! Esteja certo de que faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para ajudá-lo!
Recurso ao CETRAN
Se as tentativas de defesa forem indeferidas nas duas primeiras fases (Defesa Prévia e JARI), você ainda pode tentar o recurso em segunda instância, que é destinado ao CETRAN (Conselho Estadual de Trânsito).
Como aborda o art. 14 do CTB, o CETRAN é responsável por uma série de funções, entre elas, o julgamento de recursos de multas, conforme o exposto abaixo:
“Art. 14. Compete aos Conselhos Estaduais de Trânsito – CETRAN e ao Conselho de Trânsito do Distrito Federal – CONTRANDIFE:
I – cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito das respectivas atribuições;
II – elaborar normas no âmbito das respectivas competências;
III – responder a consultas relativas à aplicação da legislação e dos procedimentos normativos de trânsito;
IV – estimular e orientar a execução de campanhas educativas de trânsito;
V – julgar os recursos interpostos contra decisões:
- das JARI;
(…)”
Nessa última fase, o condutor deve lançar mão de todas as justificativas que possam ser usadas em sua defesa.
Como você pode observar, as duas últimas etapas de recurso (JARI e CETRAN) permitem que a defesa seja baseada em argumentos e justificativas que possam servir de defesa.
E isso é diferente do que ocorre na Defesa Prévia, em que somente aspectos formais da notificação são levados em consideração – por isso as chances de deferimento são maiores nessas duas últimas etapas.
Em relação aos prazos, você receberá o resultado do julgamento da JARI e nele virá expresso o prazo para enviar o recurso ao CETRAN
O CETRAN e a JARI possuem 30 dias para julgar o recurso enviado.
Conclusão
Com este artigo, você pôde entender melhor como ocorre o processo de recurso para multa em duplicidade – fenômeno conhecido como o princípio de non bis in idem, na área jurídica.
Para isso, trouxe um exemplo para melhor visualizar essa ação, abordando, assim, uma situação de multa por excesso de velocidade, em que foram recebidas duas notificações para a mesma ação.
A partir daí, expliquei como proceder, caso isso ocorra, mencionando as três esferas pelas quais você pode recorrer de qualquer infração de trânsito recebida: a defesa prévia, o recurso à JARI (primeira esfera administrativa) e o recurso ao CETRAN (segunda esfera administrativa).
Com o artigo, mostrei como é importante ter um bom embasamento de defesa, com consistência de argumentos e domínio do que prevê o Código de Transito Brasileiro (CTB), para que seu recurso tenha maiores chances de ser deferido.
Caso tenha restado alguma dúvida sobre este artigo, deixe sua pergunta ou contribuição abaixo! Será um prazer ajudar!
Referências:
- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm
- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11705.htm
- http://www.cetsp.com.br/
- http://www2.portoalegre.rs.gov.br/eptc/
- http://portal.stf.jus.br/
- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
- https://infraestrutura.gov.br/images/Resolucoes/Resolucao5722015_novo.pdf