Para contestar uma multa de trânsito é preciso fazer uma defesa prévia, onde, inicialmente, se apontam possíveis erros formais por parte do agente de trânsito no momento do preenchimento do auto de infração. Caso não seja deferido o recurso, ainda há a possibilidade de apresentar defesa na segunda e terceira instância. Veja como fazer.
Se você foi autuado por conta de uma infração de trânsito, poderá se livrar das penalidades – multa, pontos na habilitação etc. –, se souber como contestar a multa.
Ao contrário do que muitas pessoas afirmam, defender-se de uma multa de trânsito não é uma causa perdida.
Utilizando a estratégia certa, ter o recurso aceito, cancelando a multa, é uma possibilidade concreta.
No entanto, muita gente utiliza, em seus recursos, argumentos subjetivos.
Ou, ainda, tentam desmentir o relato do agente de trânsito, sem apresentar nada que comprove sua afirmação.
Nesses casos, é claro que é muito difícil ter o recurso aceito.
Mas como, então, contestar uma multa de modo que as chances de vitória sejam grandes?
A solução passa, inevitavelmente, por um recurso técnico.
Para atingir o seu objetivo, sua defesa precisa ser amparada na Lei.
Você pode até ter uma justificativa que faz todo o sentido, mas, se não houver algum texto legal que lhe dê razão, de nada adiantará o seu argumento.
O primeiro passo para obter a vitória ao contestar multa é, portanto, conhecer o que diz a lei. Esse é o ponto de partida para a formulação de um recurso de sucesso.
Um dos meus principais objetivos é oferecer informação de qualidade sobre as mais diversas temáticas relacionadas ao trânsito e ao recurso de multa.
Como Contestar Multa no Brasil
Para que um motorista sofra as penalidades previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) por conta de uma infração que cometeu, o órgão de trânsito responsável pela autuação deve abrir um processo administrativo.
A legislação de trânsito prevê que, nesse processo administrativo, o condutor autuado deve ter a oportunidade de se defender.
Aliás, essa é uma determinação da própria Constituição Federal.
O direito à ampla defesa não se restringe apenas a processos judiciais, que são resolvidos em tribunais, com a decisão de um juiz. Ele também é garantido nos processos administrativos.
Para que você entenda como contestar multa administrativamente, é importante saber, primeiro, como funciona esse processo.
Tudo inicia quando é constatado o cometimento de uma infração de trânsito.
Quando isso acontece, é lavrado um auto de infração, conforme menciona o art. 3º da Resolução nº 918/2022, que sucedeu a Resolução n° 619/2016, ambas do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN).
A partir desse momento, inicia-se o processo administrativo, o qual tem várias etapas.
Antes de tratar sobre essas etapas, é preciso ressaltar que é fundamental que todo o condutor mantenha seu endereço atualizado junto ao DETRAN.
Principalmente porque, quando não ocorre abordagem na autuação, a Notificação de Autuação é enviada ao endereço do proprietário do veículo.
Na notificação recebida, constarão informações fundamentais, como prazo para entrar com a defesa de autuação, documentação que deve ser anexada e endereço para onde deve ser encaminhada a defesa.
Além disso, conforme exposto no capítulo III, art. 10°, § 5° da Resolução n° 918/2022 do CONTRAN, a notificação devolvida por desatualização do endereço do infrator será considerada válida para todos os efeitos.
Portanto, não desperdice suas chances de defesa por um descuido, como a desatualização do seu endereço junto ao DETRAN.
No tópico seguinte, explicarei melhor cada uma das fases do processo administrativo de aplicação de multa de trânsito.
Etapas de Defesa Para Anular Uma Multa de Trânsito
Depois de lavrado o auto de infração, ato que dá início ao processo que pode culminar em uma multa, é expedida a chamada notificação da autuação ao proprietário do veículo.
Nela, consta um prazo para que o proprietário apresente a defesa da autuação, também conhecida como Defesa Prévia.
O prazo mínimo que o órgão autuador deve conceder para a apresentação da defesa é 30 dias.
A Defesa Prévia consiste, principalmente, na apresentação de argumentos técnicos que possam invalidar o auto de infração.
Esses argumentos podem ser irregularidades presentes no momento da autuação, no auto de infração ou no método ou dispositivo para detectar a infração.
Desse modo, no caso de o órgão de trânsito ter cometido um equívoco óbvio (erro de digitação ou ausência dos dados principais do condutor e do veículo) ao lavrar o auto de infração, ele poderá ser apontado na defesa e o auto, arquivado.
Vale ressaltar que a Defesa Prévia assemelha-se muito ao recurso, pois ela também pode conter uma argumentação ampla – mesmo frente a ausência de equívocos, como os mencionados acima.
Mas há uma diferença fundamental entre apresentar a defesa da autuação e recorrer. O próprio órgão autuador é que irá julgar os argumentos do suposto infrator, uma vez que a multa, na Defesa Prévia, ainda não foi aplicada.
O órgão responsável pela autuação avaliará os fatos registrados no auto de infração e os argumentos do condutor e, com base nisso, decidirá se impõe ou não a penalidade.
É por isso que, quando você é multado, a primeira notificação que recebe não vem com informações para o pagamento da multa (afinal, ela ainda não foi aplicada).
Caso o órgão autuador decida aplicar a multa, uma nova correspondência é enviada ao proprietário do veículo: a Notificação de Imposição de Penalidade (NIP).
A NIP vem com boleto para o pagamento da multa e com um novo prazo. Dessa vez, para contestar a multa e as demais penalidades apresentando Recurso na 1º instância.
Em vez de o próprio órgão autuador julgar as justificativas do recorrente, é a sua Junta Administrativa de Recursos de Infrações (JARI) quem faz isso.
Qualquer que seja a decisão tomada – deferimento ou indeferimento do recurso –, ela será comunicada em nova notificação.
Mas as chances de contestar multa não terminam aí!
É estabelecido um novo prazo. Dessa vez para apresentar Recurso na 2º instância.
Conforme estabelece o art. 289 do CTB, o órgão responsável pelo julgamento desse recurso depende de quem impôs a penalidade.
Se ela foi imposta por um órgão estadual ou municipal, o julgamento será realizado pelo CETRAN.
Caso seja do Distrito Federal o órgão autuador, caberá ao CONTRANDIFE a avaliação.
Mas, se a penalidade foi aplicada por órgão da União, em caso de CNH suspensa por mais de seis meses, cassação da CNH ou infrações gravíssimas, o recurso será avaliado pelo CONTRAN.
Nos demais casos, por um colegiado especial, integrado pelo Coordenador-Geral da JARI, pelo Presidente da Junta que apreciou o recurso e por mais um Presidente de Junta.
Se o motorista optou por recorrer até a última instância, o processo administrativo só encerra depois que o último recurso for julgado.
Sendo ele indeferido, os pontos referentes à infração serão computados no registro do condutor infrator e o proprietário do veículo terá de pagar a multa.
Mas você sabia que existem penalidades que são destinadas ao condutor e outras, ao proprietário do veículo? Explico melhor essa questão no próximo tópico.
Trecho reformulado na revisão LP. Forma original: “Se a JARI indeferir o recurso, a decisão é comunicada em nova notificação”.
Quem é Responsável Pela Multa?
Em primeiro lugar, é importante que você entenda que infração, auto de infração e multa são coisas diferentes. Veja:
- infração é a conduta cometida pelo motorista que desrespeita as normas do trânsito (estipuladas no CTB);
- auto de infração é o documento que dá início ao processo administrativo para imposição de determinada punição;
- multa é uma penalidade aplicada em decorrência do cometimento de uma infração.
Conforme o parágrafo 3° do art. 282 do CTB, sempre que a penalidade de multa for imposta ao condutor, a notificação será encaminhada ao proprietário do veículo, que será responsável pelo seu pagamento.
Porém, há casos em que o proprietário do veículo não é o responsável pelo cometimento da infração.
Imagine, por exemplo, que alguém esteja dirigindo o carro de um amigo e tenha ultrapassado o limite de velocidade em determinada via.
O radar, então, registra a infração. Embora a notificação de autuação tenha sido encaminhada ao endereço do proprietário do veículo, a infração não é de sua responsabilidade.
Percebe a diferença?
Cabe ao proprietário do veículo, conforme o art. 257 do CTB, parágrafo 2°, responder por infrações relacionadas à:
- prévia regularização e preenchimento das formalidades e condições exigidas para o trânsito do veículo;
- conservação e inalterabilidade das características do veículo;
- habilitação legal e compatível de seus condutores, quando esta for exigida.
Por exemplo, se o veículo for autuado por não estar devidamente licenciado, ou por estar com um “pneu careca”, a responsabilidade da multa será do seu proprietário.
Já o condutor é responsável quando a infração está relacionada aos atos praticados na direção do veículo, como excesso de velocidade – como exemplifiquei acima.
Nesses casos, se a autuação foi feita sem abordagem e não houve, portanto, a identificação do infrator, a notificação da autuação vem com um formulário no qual pode ser indicado o motorista que realmente estava ao volante.
Assim, as penalidades referentes à infração (pontos na CNH e até mesmo suspensão ou cassação) serão direcionadas ao real condutor, caso sua solicitação seja aceita pelo órgão.
Entretanto, é preciso lembrar que o proprietário é sempre o responsável pelo pagamento da multa, independentemente da infração cometida.
No próximo tópico, entenda quais são as multas que podem ser contestadas – ou seja, que admitem recurso.
Quais Multas Podem Ser Contestadas
É possível contestar multa de qualquer tipo. Não há exceções quanto ao direito de defesa de um cidadão brasileiro.
A infração pode ter sido registrada com base em abordagem policial ou fiscalização eletrônica, não importa: sempre será possível recorrer.
Vale lembrar que as infrações do CTB são divididas em quatro categorias: leves, médias, graves e gravíssimas.
É possível enviar Defesa Prévia ou recursos em 1ª ou 2ª instâncias para o cancelamento de uma autuação por infração de qualquer categoria.
Mas você pode estar se perguntando se até mesmo as infrações gravíssimas podem ser anuladas. Afinal, elas são causadas por condutas bem perigosas.
No próximo tópico, eu esclareço essa questão.
Infrações gravíssimas podem ser anuladas?
Dentro da classificação das infrações (leves, médias, graves e gravíssimas), as de natureza gravíssima são as que apresentam mais perigo no trânsito.
Por isso, elas resultam em multa com valores mais altos e em mais pontos na CNH.
Conforme estipulam os artigos 258 e 259 do CTB, as infrações gravíssimas culminam em 7 pontos na carteira de motorista e multa no valor de R$ 293,47.
O problema é que, para esse tipo de infração, o dispositivo infracional pode prever o fator multiplicador.
Uma infração gravíssima com multa multiplicada por três, por exemplo, resulta no valor de R$ 880,41 a ser pago.
Mas existem multas multiplicadas por 2, 5, 10, 20 e até 60 vezes.
Os valores chegam, portanto, aos milhares de reais.
É por isso que as pessoas têm interesse em recorrer principalmente contra autuações por infração gravíssima.
É importante lembrar, ainda, que, conforme estipula o art. 261 do CTB, o motorista que acumula 20, 30 ou 40 pontos em 12 meses tem a habilitação suspensa. Essa do limite de pontos é estabelecida com base no número de infrações gravíssimas cometidas pelo condutor nesse período:
- 40 pontos – caso não cometa nenhuma infração gravíssima;
- 30 pontos – caso cometa 1 infração gravíssima;
- 20 pontos – caso cometa 2 ou mais infrações gravíssimas.
Ou seja, motivos não faltam para o condutor investir em um bom recurso de multa, não é mesmo?
Portanto, respondendo à pergunta do tópico, se você for autuado por infração gravíssima, fique tranquilo, pois, ainda que seja uma conduta severa, é possível recorrer.
No próximo tópico, veja um exemplo de como deve ser elaborado um bom recurso de multa.
Exemplo de Carta Para Recorrer Multa de Trânsito
Muitas pessoas que decidem contestar uma multa preocupam-se demais com o formato do documento a ser enviado para o órgão autuador.
Por isso, elas costumam pesquisar na internet por modelos de recurso para copiarem e apenas mudarem os dados pessoais.
Mas fique atento: isso é um grande erro.
Na realidade, um dos aspectos mais importantes para se ter sucesso em um recurso é que ele respeite todas as particularidades do seu caso.
Nenhuma autuação é 100% igual à outra, então, devem ser considerados todos os detalhes da abordagem, da notificação da autuação, da sinalização da via e muito mais.
Mas se você não sabe nem por onde começar, vou dar algumas dicas.
Abaixo, veja um exemplo de formato que você pode seguir para começar a redigir o recurso em 1° instância.
“Ilustríssimo senhor Presidente da JARI do (órgão responsável pela autuação) do município de no estado de (nome do estado).
(Nome), (nacionalidade), (estado civil), portador do CPF (número), do RG (número) e da CNH (número), residente em (cidade e endereço), proprietário do veículo (modelo, placa e número do RENAVAM do veículo), vem interpor recurso contra a aplicação de penalidade de infração (número da notificação), solicitando a sua anulação pelos seguintes motivos:
(apresentar os argumentos da defesa)
No aguardo do deferimento,
(assinatura)
(local e data)”
Veja que não inseri, aqui, a argumentação, que é a parte mais importante. A justificativa vai depender do que de fato aconteceu e de como foi conduzido o processo pelo órgão autuador.
Você também pode procurar um formulário de recurso no site do órgão autuador – muitos órgãos disponibilizam.
No site da Polícia Rodoviária Federal (PRF), por exemplo, é possível baixá-lo em PDF.
Você só precisará preenchê-lo com as informações solicitadas e escrever a sua argumentação no campo indicado.
Outro órgão que disponibiliza online um modelo a ser preenchido para a apresentação do recurso é o Departamento Estadual de Trânsito do Rio de Janeiro (DETRAN RJ).
Acesse esta página e faça o download dos formulários para indicação de condutor, Defesa Prévia, Recurso em 1ª instância e solicitação de conversão de multa para advertência por escrito.
Tanto no caso da PRF como do DETRAN RJ, é necessário utilizar esses formulários disponibilizados pelos órgãos.
Na próxima seção, darei outras dicas bem importantes para o desenvolvimento do seu recurso. Portanto, siga a leitura!
Dicas Práticas
A partir de agora, irei fornecer algumas dicas práticas que aumentarão as suas chances de vitória no recurso. Veja, abaixo, quais são elas.
- Leia atentamente todas as notificações recebidas, e veja se não há alguma informação incorreta (como o modelo do carro, por exemplo). Erros desse tipo podem motivar o arquivamento do auto de infração.
- Veja se a notificação da autuação foi expedida até 30 dias após a data de cometimento da infração. Se demorou mais, peça o arquivamento do auto com base no art. 281 do CTB.
- Leia detalhadamente, no CTB, o artigo da infração que você cometeu. Tente descobrir se há alguma resolução do CONTRAN tratando do mesmo tema e procure entender todas as regras. Assim, você poderá verificar um eventual procedimento incorreto cometido pela autoridade de trânsito.
- A regra que você infringiu estava bem sinalizada pelas placas da via? Consulte o Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito e descubra.
Essas dicas podem ser imprescindíveis para que você capriche nos argumentos utilizados em sua defesa.
Antes de finalizar o texto, veja, abaixo, quais são as principais dúvidas sobre a elaboração de recursos.
Dúvidas Comuns Sobre a Elaboração de Recursos
Até aqui, você obteve uma série de informações importantes sobre como contestar uma multa de trânsito e ter o recurso deferido. Porém, é claro, sempre restam algumas dúvidas por parte do condutor interessado em entrar nesse processo.
Pensando nisso, separei, abaixo, algumas dúvidas frequentes sobre o tema. Acredito que você possa ter os mesmos questionamentos, portanto, siga a leitura!
Preciso pagar a multa para recorrer?
Não. É possível contestar multa sem pagá-la. O recurso não poderá ser indeferido por esse motivo.
O que acontece se eu pagar a multa e o recurso for aceito?
O parágrafo 2° do art. 286 do CTB determina que, nesse caso, a importância paga será devolvida ao condutor, atualizada por índice legal de correção dos débitos fiscais.
Posso recorrer de processo de suspensão ou de cassação da CNH?
Sim. Nesse processo, também cabe Defesa Prévia e Recursos em 1ª e 2ª instâncias.
É possível recorrer de multas aplicadas com base em evidências como fotografia de radar ou resultado do teste do bafômetro?
Sim. O fato de essas evidências existirem não significa que não há motivo para anular a multa.
Posso recorrer quando acusado de crime de trânsito?
Pode. No entanto, nesse caso, a punição ao condutor já não está mais na esfera administrativa, e sim na penal. Assim, a defesa acontecerá em um tribunal e será julgada por um juiz.
Conclusão
Neste artigo, procurei abordar os principais temas relacionados à elaboração de um recurso de multa.
Para isso, lancei mão de aportes legislativos. É importante – embora não imprescindível – que você os conheça antes de encarar um processo administrativo.
Assim, você aprendeu quais são e como funcionam as 3 fases de defesa: Defesa Prévia, Recurso à JARI e Recurso em 2ª instância.
Você também viu que, para poder contestar uma multa com propriedade, é necessário analisar o que a legislação determina sobre a infração cometida. Conhecer a lei faz a diferença no sentido de enriquecer os seus argumentos na tentativa de anular as penalidades.
Além de consultar o texto original da lei, minha dica é que você também procure, no site Doutor Multas , artigos relacionados ao assunto para o qual você procura solução.
Aqui, você verá as mesmas informações legislativas explicitadas de uma maneira simples, que facilitarão a sua interpretação.
Caso ainda tenha restado alguma dúvida sobre o tema, deixe um comentário abaixo para que eu possa esclarecê-la!
Por fim, é importante que você compartilhe este conteúdo com os seus amigos. As informações aqui presentes podem ser úteis a eles.
Referências:
- http://www.infraestrutura.gov.br/images/Resolucoes/Resolucao6192016nova.pdf
- https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/assuntos/transito/conteudo-contran/resolucoes/Resolucao9182022.pdf
- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm