Motociclista não pode, como regra, ultrapassar pela direita; quando o faz fora das poucas exceções legais, incorre em infração grave ou gravíssima, sujeita a multa, pontos na CNH e até suspensão do direito de dirigir. Ainda que a manobra seja culturalmente difundida nos corredores de tráfego, o Código de Trânsito Brasileiro admite a ultrapassagem pelo lado direito apenas em hipóteses específicas: quando o veículo da frente sinaliza conversão à esquerda, quando a via tem faixas de fluxo independente e ordenadas por sinalização, ou quando a circulação se dá em vias de sentido único com múltiplas faixas. Em todos os demais cenários, inclusive no acostamento ou na calçada, a manobra é proibida. A seguir, examinam-se em profundidade o arcabouço normativo, os desdobramentos penais, civis e administrativos, bem como as recomendações práticas para motociclistas, motoristas e operadores do Direito.
Fundamento legal da ultrapassagem
O ponto de partida é o art. 29, inciso III do Código de Trânsito Brasileiro, que institui a ultrapassagem pelo lado esquerdo como regra geral de circulação. A exceção aparece no § 1.º do mesmo artigo: o condutor pode ultrapassar pela direita “quando o veículo da frente estiver sinalizando o propósito de entrar à esquerda e houver espaço suficiente na faixa da direita” ou “em vias com faixas especificadas para determinado sentido”. O art. 199 transforma em infração grave qualquer ultrapassagem pela direita que não se enquadre nessas exceções, prevendo multa (cinco pontos) e retenção do veículo se não for possível regularizar. O art. 200 torna gravíssima a ultrapassagem pela direita sobre acostamento, triplicando a multa.
Conceito de ultrapassagem versus passagem
Ultrapassar significa sair da faixa de origem, avançar à frente de outro veículo em movimento e retornar. Passagem é apenas deslocar-se em velocidade superior dentro da mesma faixa, sem desvio lateral. A diferença é crucial: em vias urbanas com faixas independentes, mudar de faixa à direita para manter o fluxo pode constituir simples passagem, não ultrapassagem, e portanto não se enquadrar no art. 199. Já costurar entre veículos no mesmo sentido, ainda que sem troca de faixa definida, costuma caracterizar ultrapassagem irregular pela direita se infringidas linhas de retenção ou se houver avanço pelo espaço destinado a pedestres ou ciclistas.
Regras específicas para motocicletas no CTB
As motos seguem as mesmas normas gerais, mas há atenção especial no art. 56, que veda o trânsito “de motocicletas, motonetas e ciclomotores sobre calçadas, canteiros e acostamentos”. Além disso, o art. 244 elenca condutas gravíssimas privativas de motociclistas, como realizar manobras de zigue-zague entre faixas e empinar a roda dianteira. Tais comportamentos, apesar de não mencionarem literalmente a ultrapassagem pela direita, agravam a interpretação de risco quando a manobra ocorre fora dos parâmetros do art. 29.
Exceções permitidas para a ultrapassagem pela direita
-
Conversão à esquerda: se o veículo adiante deu seta para a esquerda e posicionou-se junto ao eixo da via, o motociclista pode avançar pela faixa livre da direita.
-
Vias de sentido único com múltiplas faixas: quando a sinalização horizontal indica duas ou mais faixas no mesmo sentido, cada faixamento é considerado uma “via” autônoma dentro do conceito do CTB, permitindo que veículos mais rápidos transitem pela direita.
-
Pista expressa paralela à marginal: a ultrapassagem pela direita torna-se, na prática, mera mudança de pista distinta.
Fora dessas hipóteses, qualquer ultrapassagem pela direita — inclusive entre a faixa de rolamento e a calçada — transforma-se em infração grave.
Penalidades administrativas
Para infração grave (art. 199) a multa é de R$ 195,23 e cinco pontos. Para infração gravíssima (art. 200) — quando a manobra utiliza acostamento — o valor é multiplicado por três (R$ 880,41). Em caso de reincidência no mesmo ano, a autoridade pode instaurar processo de suspensão. A autuação pode ocorrer por abordagem direta ou por videomonitoramento, pois a dinâmica da ultrapassagem é facilmente capturada por câmeras.
Enquadramento penal
Se da ultrapassagem irregular resultar lesão corporal ou morte, o motociclista responde por crime de trânsito (arts. 302 ou 303), com pena aumentada pela circunstância de violar regra fundamental de circulação. O dolo eventual pode ser reconhecido se o condutor assume conscientemente o risco, aumentando a pena para até dez anos de reclusão em homicídio (art. 121, § 2.º, III, CP). Jurisprudência recente já admite qualificadora de perigo comum quando a manobra coloca pedestres em risco.
Responsabilidade civil
O motociclista que causa acidente durante ultrapassagem proibida responde objetivamente por danos materiais, morais e estéticos, pois a infração de trânsito gera presunção de culpa. Seguradoras podem negar cobertura se o laudo de sinistro comprovar a manobra irregular, alegando agravamento intencional de risco. Empresas de motofrete respondem solidariamente, segundo a teoria do risco do negócio, cabendo ação regressiva contra o empregado após composição com a vítima.
Jurisprudência e doutrina
Tribunais estaduais têm confirmado a legalidade da multa por ultrapassagem pela direita mesmo quando o agente não aborda o condutor, bastando a imagem registrada. O STJ, no REsp 1.885.011, fixou entendimento de que a infração é formal: basta o ato, independentemente de perigo concreto. Doutrinadores como Júlio Fabbrini Miragem enfatizam que o art. 199 visa preservar previsibilidade do fluxo, reduzindo pontos cegos dos retrovisores, o que se torna ainda mais crítico para motocicletas pela menor massa protegida do condutor.
Segurança viária e estatísticas
Dados da Polícia Rodoviária Federal revelam que 18 % dos acidentes fatais envolvendo motos em rodovias federais têm como causa primária “ultrapassagem indevida”. Nas áreas urbanas, Observatórios de Trânsito apontam que 30 % das colisões laterais ocorrem quando motociclistas tentam avançar pela direita em cruzamentos congestionados. O impacto econômico dos sinistros ultrapassa R$ 10 bilhões anuais em custos médico-hospitalares, segundo o IPEA.
Fiscalização prática
Agentes usam câmeras de alta taxa de quadros para registrar a ultrapassagem. Na constatação indireta, o auto de infração descreve a placa do veículo ultrapassado, o ponto kilométrico e as condições de tráfego. Caso o motociclista seja abordado, pode-se exigir prova documental de conversão do veículo ultrapassado; a ausência reforça a tipificação do art. 199.
Cenário urbano e o corredor de motos
A prática de circular entre filas paradas (filtragem) não é, por si, ultrapassagem. O Contran, pela Resolução 942/2022, admite a filtragem quando o fluxo dos demais veículos está abaixo de 30 km/h e o motociclista não excede essa velocidade. Entretanto, ao adquirir velocidade superior e deixar de permanecer entre faixas, a filtragem passa a configurar ultrapassagem irregular, muitas vezes pela direita. O limite de 30 km/h serve como baliza para fiscalização eletrônica em semáforos.
Compliance para empresas de entrega
Companhias de delivery devem instituir políticas internas de direção segura, com cláusulas contratuais que proíbam ultrapassagem pela direita fora das exceções. A fiscalização interna, por telemetria e aplicativos de rota, reduz sinistros e evita litígios trabalhistas por culpa “in vigilando”. Programas de incentivo à direção defensiva, reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, geram redução de alíquotas do Seguro de Acidentes de Trabalho.
Seguro e impacto em sinistros
Apólices extensivas para motofrete costumam excluir eventos decorrentes de manobras ilegais. Em perícias securitárias, laudo do tacógrafo ou do GPS indica velocidade, direção e local da colisão. Uma infração registrada dificulta o recebimento do prêmio, gerando contencioso judicial que, em geral, termina com provável improcedência do pedido do segurado, dada a cláusula de exclusão de risco agravado.
Dicas práticas para o motociclista
-
Planejar rotas antecipando conversões para a esquerda de outros veículos, de modo a evitar a tentação de ultrapassar pela direita.
-
Manter distância lateral mínima de 1,5 m ao passar por bicicletas ou pedestres, mesmo que a manobra esteja dentro das exceções.
-
Utilizar roupas de alta visibilidade em vias urbanas, reduzindo o risco de não ser percebido durante mudança de faixa.
-
Inspecionar retrovisores antes de escolher a faixa, respeitando velocidade compatível.
Debate legislativo sobre lane splitting
Projetos de lei tramitam no Congresso para regulamentar de modo expresso a circulação de motos entre faixas, admitindo-a a até 50 km/h e convertendo certas ultrapassagens pela direita em passagem legal. Críticos temem crescimento de acidentes e citam estudos norte-americanos que demonstram aumento de colisões traseiras com motociclistas em alta velocidade. A Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro defende incremento de sinalização e educação antes de flexibilizar a lei.
Perspectiva de engenharia de tráfego
Vias urbanas com faixas exclusivas para ônibus à esquerda obrigam motociclistas a compartilhar o espaço à direita com carros em manobras de acesso às marginais, ampliando atritos. Projetos de “faixa azul”, adotados em São Paulo, tentam criar corredor dedicado a motocicletas entre a primeira e a segunda faixa de rolamento. Resultados preliminares apontam redução de 30 % em acidentes, mas ainda carecem de validação de longo prazo.
Educação para o trânsito
Campanhas do Denatran nas rádios destacam “ultrapassar pela direita é ultrapassar a vida”. Em escolas de formação de condutores, o tema ganha módulos específicos de 10 horas-aula, focando visualização de pontos cegos e percepção de risco. A inclusão de simuladores virtuais permite treinar cenários de conversão inesperada e frenagem de emergência.
Perguntas e respostas
Motociclista pode ultrapassar pela direita um ônibus parado à esquerda que vai entrar no terminal?
Sim, se o ônibus sinalizou e moveu-se à esquerda ocupando a faixa central, sobrando faixa livre à direita. A manobra é permitida, desde que o motociclista não invada calçada nem acostamento.
Ultrapassar pela direita em rotatória é permitido?
Em rotatória, todas as faixas têm mesmo sentido. Se existir espaço suficiente na direita, a manobra configura simples passagem, não ultrapassagem, e é aceitável.
Se o motorista do carro da frente estiver devagar, posso passar por dentro do corredor?
Só se o fluxo geral estiver abaixo de 30 km/h e você mantiver velocidade semelhante, caracterizando filtragem. Velocidade superior transforma a ação em ultrapassagem irregular.
Quais são os pontos na CNH por ultrapassar pela direita?
Infração grave: cinco pontos. Se for pelo acostamento, infração gravíssima: sete pontos com fator multiplicador.
A autuação por videomonitoramento é válida?
Sim. A Resolução 909/2022 reconhece a prova eletrônica como idônea.
Acidente por ultrapassar pela direita sem contato: há culpa?
Há culpa contributiva se a manobra de risco induziu o outro condutor ao erro. A jurisprudência tende a dividir responsabilidade.
Posso alegar costume local para anular a multa?
Não. Costume não revoga lei. O princípio da legalidade prevalece.
O passageiro também é multado?
Não. A infração recai apenas sobre o condutor.
Empresa pode descontar multa de salário?
Somente se houver previsão contratual ou dolo do empregado, observado art. 462 da CLT.
A multa prescreve?
A dívida de multa prescreve em cinco anos para a cobrança, mas os pontos expiram em doze meses.
Conclusão
Ultrapassar pela direita, embora praticado corriqueiramente por motociclistas, é conduta restrita a situações excepcionais claras na legislação. Fora delas, o ato converte-se em infração gravíssima ou grave, implicando penalidades administrativas, risco de responsabilização civil e até criminal. Compreender o limite entre passagem lícita e ultrapassagem proibida é essencial para a segurança pessoal, a preservação da vida de terceiros e a integridade patrimonial. A correta educação, a fiscalização efetiva e políticas públicas que harmonizem fluxos distintos de veículos são caminhos pragmáticos para reduzir o índice de acidentes. Que cada motociclista internalize: respeito às regras é respeito à própria vida.